segunda-feira, 30 de setembro de 2013

2013, o ano em que queimamos os livros! – Por Levi Ceregato*

* Ceregato é empresário, bacharel em Direito e Administração, é o presidente da Regional São Paulo da Associação Brasileira da Indústria Gráfica (Abigraf-SP)

Os apreciadores da boa leitura de ficção político-científica estão comemorando o transcurso dos 60 anos da publicação do romance Fahrenheit 451, do escritor norte-americano Ray Bradbury. A obra, sucesso de crítica e público em 1953, também foi imortalizada no cinema em 1966, com a produção do longa-metragem cult, sob o mesmo título, dirigido por François Truffaut.

O enredo, como se sabe, desenrola-se num futuro hipotético, quando os livros e todas as formas de escrita são proibidos por um regime totalitário, sob o argumento de causarem infelicidade e reduzirem a produtividade das pessoas. Por isso, são queimados por um bizarro Corpo de Bombeiros (daí, Fahrenheit 451, ou 233 graus centígrados, que é a temperatura da combustão do papel). Quanto aos leitores clandestinos, pagam pelo “grave crime” por meio da condenação sumária a um desconcertante programa de reeducação, mais conhecido, em termos reais, por lavagem cerebral.

No aniversário de 60 anos da publicação da instigante e assustadora obra, é inevitável estabelecer analogia com a presente dificuldade que permeia a produção de livros e numerosos outros itens da comunicação impressa no Brasil. Não pela fúria das chamas, mas pela perda de competitividade da indústria gráfica, a exemplo do que ocorre com tantos outros segmentos da manufatura, o País assiste à incineração do mercado.

Fatores conhecidos, como os altos impostos, juros elevados e outros algozes do custo Brasil, somam-se à renitência do governo em conceder ao setor — que congrega mais de 40 mil empresários e emprega mais de 220 mil trabalhadores — desonerações da folha de pagamentos e de alguns incentivos tributários já outorgados a outras atividades menos geradoras de mão de obra intensiva. Resultado: num momento em que o mercado nacional é atacado ferozmente por fornecedores estrangeiros que perderam espaços no cenário de crises das nações ricas, ficamos absolutamente expostos a uma concorrência desigual.

Uma das consequências dessa situação é a impressão na China de milhares de exemplares de livros brasileiros, até mesmo os comprados por programas governamentais para distribuição nas escolas públicas. O mesmo se observa com embalagens de remédios e medicamentos, dentre outros produtos gráficos. Importante lembrar que impressos e informação constituem-se em itens de segurança estratégica para a soberania nacional.

Estamos queimando um mercado em que sempre fomos competitivos e no qual, por força de elevados e permanentes investimentos em máquinas e tecnologia, temos excelência similar às melhores indústrias gráficas do Planeta. Felizmente, não vivemos sob um Estado totalitário, como ocorre com a oprimida sociedade de Fahrenheit 451. Por isso, com o debate de ideias e o diálogo, ainda é possível reverter o quadro, mas é preciso que o Estado saiba ouvir.  Afinal, a execução pouco eficaz de políticas públicas pode ter efeitos econômicos tão nocivos quanto a insensatez da truculência.

Prova disso é que a competitividade dos impressores brasileiros está ardendo nas chamas do descaso com um setor que, somente no Estado de São Paulo, emprega 90 mil trabalhadores. É um jeito muito peculiar, numa estranha correlação, de comemorar os 60 anos de Fahrenheit 451.     


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