segunda-feira, 12 de novembro de 2012

A impressão do dragão

Os olhinhos puxados dos chineses enxergam muito além do que podíamos imaginar. A indústria gráfica chinesa começa a esticar seus tentáculos ao Brasil; impostos, taxas e encargos executados pelo governo brasileiro são os sanguessugas da indústria nacional. No entanto, ainda não é possível saber o que virá. Esperemos, então, que venha pela frente
Fábio Sabbag
A ShanghenWenxue (Literatura da Ferida) nascida no final da década de 1980 foi definida assim pelas duras críticas ao período da Revolução Cultural (1966-1976) empreendida por Mao Tsé-tung. A Guarda Vermelha imprimiu violentas ações contra professores, artistas e intelectuais não alinhados com a doutrina maoísta. Yu Há, escritor de destaque da época, em a Crônica de um Vendedor de Sangue, relatou como viviam os chineses pobres no final dos anos 1950, tendo como exemplo um operário que vivia da venda do próprio sangue para sustentar sua família.
Qualquer semelhança com o operário brasileiro pode - ou não - ser mera coincidência. Não dá para afirmar que no Brasil há casos semelhantes, mas que o operário doa sangue é fato. Pode até ser por osmose, mas que doa, doa.   O sangue do empresário, que também é sugado sistematicamente pelo governo, que com taxas e sobretaxas acaba virando o vampiro brasileiro mais assustador do mundo, também compõe o banco de sangue da república avassaladora. 
Finca, então, a residência do dragão da concorrência no mercado gráfico brasileiro. De acordo com o blog http://guiagrafico.blogspot.com.br/, elaborado por Paulo Ferraz, produtor e consultor de empresas de gráficas chinesas no Brasil, nos últimos 20 anos surgiram na China aproximadamente 150 mil indústrias gráficas, que empregam pouco mais de 3 milhões de pessoas.
Conforme o blog, o parque gráfico chinês faturou em 2010 aproximadamente US$ 18 bilhões, o equivalente a quase 2,5% do faturamento global da indústria gráfica, que é de quase US$ 750 bilhões.
Até aqui, caro leitor, tudo bem. O desejo fundamental é que os países do BRICS prosperem e encontrem, em seu mercado local, condições salutares de crescimento. Talvez seja um desejo mundial, afinal alguém terá de arcar com o amadorismo que impera em alguns países do velho continente. Certo, este é outro assunto, não vamos perder o fio da meada.
Acontece que a volúpia da China em desbravar fronteiras é paralela aos olhinhos fechados de sua população. Por aqui, em território brasileiro, o mercado gráfico sente a demanda, principalmente no editorial, migrando paulatinamente para a China. A recíproca não é verdadeira. A logística até o momento é uma grande aliada do Brasil. Pois bem, voltemos à sede de sangue (entenda-se impostos) do governo.
Entrevistado como diretor executivo da Paper Express, Fabio Arruda Mortara, que também é presidente da Abigraf, ao ser indagado se a concorrência entre Brasil e China é leal e salutar, não titubeia: “Não. Os impostos, salários, encargos, equipamentos e insumos na China são conhecidamente inferiores aos brasileiros, estabelecendo-se, dessa forma, uma concorrência desleal.”
Fabio Arruda Mortara, diretor executivo da Paper Express:
“Os impostos, salários, encargos, equipamentos e insumos na China são conhecidamente inferiores aos brasileiros, estabelecendo-se, dessa forma, uma concorrência desleal.”
Manda a ética jornalística publicar os lados da pauta proposta. “Sou consultor de produção gráfica na China, faço a compra e acompanhamento de produção para clientes brasileiros. Comecei como um curioso, pois todos achavam impossível imprimir tão longe. No entanto, arrisquei e aprendi a lidar com o comércio exterior. Resolvi o problema da logística e hoje atendo empresas de todo o Brasil. E posso garantir que imprimir na China é um grande negócio e as empresas operam com equipamentos de ponta”, fala Ferraz.
Sonia Regina Menezes, diretora de pré-impressão da Margraf, observa que a concorrência não é leal, já que o custo Brasil, na prestação de serviços gráficos, difere de 40% a 50% dos preços chineses. “Por outro lado, o que nos favorece é a distância geográfica, que inviabiliza o trabalho cujo prazo de produção necessita de agilidade”, fala.
Sonia Regina Menezes, diretora de pré-impressão da Margraf:
“Um cliente necessitou de catálogos. O que inviabilizou essa mudança para uma indústria gráfica chinesa foi ademora de dois meses para entrega do material. O cliente optou em fazer com a Margraf e o catálogo foi impresso e entregue em quatro dias úteis.”
A Margraf, de acordo com Sonia, quase perdeu um trabalho para um concorrente chinês. “Um cliente necessitou de catálogos. O que inviabilizou essa mudança para uma indústria gráfica chinesa foi ademora de dois meses para entrega do material. O cliente optou em fazer com a Margraf e o catálogo foi impresso e entregue em quatro dias úteis”, revela a diretora de pré-impressão da gráfica.
Luiz Fernando Guedes, diretor da Printon, empresa de 51 anos que atua 80% no mercado promocional e 20% no mercado editorial, vem com argumentos veementes referentes à concorrência chinesa e ao atual momento do mercado. “É uma concorrência desleal que atingiu as gráficas que atuam no segmento editorial. O governo deveria, imediatamente, não permitir a entrada de material impresso de fora do Brasil. Além disso, deveria tomar medidas urgentes de incentivo à mídia impressa, liberando a distribuição de impressos nas ruas, baixando tributação. Algo tem de ser feito. Estamos passando pelo pior momento da nossa história. A quantidade de trabalhos reduziu muito e o pouco que existe é muito disputado. Há empresas no mercado praticando preços absurdos”, observa Guedes.
Luiz Fernando Guedes, diretor da Printon:
“É uma concorrência desleal que atingiu as gráficas que atuam no segmento editorial. O governo deveria, imediatamente, não permitir a entrada de material impresso de fora do Brasil. Além disso, deveria tomar medidas urgentes de incentivo à mídia impressa, liberando a distribuição de impressos nas ruas, baixando tributação. Algo tem de ser feito. Estamos passando pelo pior momento da nossa história. A quantidade de trabalhos reduziu muito e o pouco que existe é muito disputado. Há empresas no mercado praticando preços absurdos.”
O diretor da Printon faz um alerta ao setor: “Nós, gráficos, investimos muito em equipamentos e mão de obra especializada. Por isso, não podemos mais trabalhar de graça da forma que estamos trabalhando. Temos de rever nossos preços e continuar investindo, mas não dá para trabalhar sem lucro. Estamos cavando nossa própria sepultura.”
Fernando Ullmann, diretor da Ipsis, diz que concorrência saudável é aquela que mantém as mesmas condições para todos. “Não é o que acontece na importação de livros da China, uma vez que as gráficas brasileiras são obrigadas a pagar PIS e Confins sobre o valor faturado e isto não ocorre na importação. Também temos casos em que o preço dos livros na China é equivalente ao custo do papel utilizado naquele serviço. Essa situação sugere algumas distorções, como possível subsídio governamental, câmbio manipulado e trabalho com remuneração indigna. Os chineses têm qualidade, sabem copiar muito bem os produtos. Então, tivemos alguns casos de clientes que optaram por fazer a reimpressão na China, pois nesse caso foi só enviar o livro anteriormente impresso no Brasil”, revela Ullmann.
Fernando Ullmann, diretor da Ipsis:
“As gráficas brasileiras são obrigadas a pagar PIS e Confins sobre o valor faturado e isto não ocorre na importação. Também temos casos em que o preço dos livros na China é equivalente ao custo do papel utilizado naquele serviço. Essa situação sugere algumas distorções, como possível subsídio governamental, câmbio manipulado e trabalho com remuneração indigna. Os chineses têm qualidade, sabem copiar muito bem os produtos. Então, tivemos alguns casos de clientes que optaram por fazer a reimpressão na China, pois nesse caso foi só enviar o livro anteriormente impresso no Brasil.”
É o corte na própria carne que faz jorrar o sangue do mercado. Quem deveria ser parceiro, monta a família dos sanguessugas no famigerado ambiente movido à política da pior espécie. Mas como é alimentada por sangue nobre, os impostômetros da vida têm sabor de quero mais. Teremos de vender o próprio sangue para sustentar a família?

Panorama chinês
Dados do blog editado por Ferraz informam que a produção gráfica de todo o material impresso na China concentra-se basicamente na região dos deltas de Yangtse, Pearl e nas imediações de Pequim-Tianjin, os três maiores pólos de impressão do país.
A competitividade interna é bastante acirrada. “Em síntese, é uma indústria que ascende rápida e racionalmente, mas que sofre as mesmas pressões internas pela disputa de espaço e dumping de preços do ocidente. Há, porém, um forte aliado da indústria gráfica na China, que citaríamos como uma das diferenças mais contundentes entre a política chinesa e a brasileira: o governo”, observa Ferraz.
Em 2010, por meio do “Plano de Desenvolvimento para Impressão e Publicação” estipulado em até cinco anos, o governo, junto ao empresariado gráfico, alcançou as seguintes metas: para cada milhão de cidadãos chineses, existem 186 títulos de livros; um consumo anual de 5,5 livros e 2,7 periódicos per capita.
Para corroborar com essa medida, outras resoluções ainda mais arrojadas – como a isenção tarifária na importação de máquinas e equipamentos gráficos para uso interno e mesmo o abatimento das alíquotas de impostos nos trâmites de importação e compra – fortalecem a unidade chinesa e trazem, a custos reduzidos, tecnologia de ponta do mundo inteiro para estudos, análise e cópia dos projetos (engenharia reversa, umas das especialidades chinesas).
Panorama brasileiro
A presidente Dilma Rousseff prometeu cercar a defesa comercial, impondo tarifas contra produtos artificialmente mais baratos da China. Prometeu e, pelo jeito, até o momento não cumpriu.
Recente reportagem publicada pelo jornal O Estado de S.Paulo comprovou que as chamadas tarifas antidumping impostas contra mercadorias chinesas não foram capazes de impedir o aumento das importações, que em alguns casos ultrapassa 200% em 2012. 
O caso dos brinquedos é emblemático. No fim do ano passado, o governo decidiu incluir os artigos em uma lista de exceção da tarifa do Mercosul, para elevar de 20% para 35% o Imposto de Importação. Como resultado, as compras brasileiras de brinquedos chineses, que em 2010 cresceram 28,9%, desaceleraram de forma insignificante e aumentaram 28,8% em 2011.
Ainda de acordo com a reportagem, a presença das mercadorias chinesas no mercado brasileiro está entre os principais fatores responsáveis pelo processo de "desindustrialização" que a indústria capixaba está sofrendo.
Essa realidade está afetando também as indústrias gráficas, que por conta da concorrência com os produtos asiáticos reduziu sua expectativa de crescimento para 2012, antes cotada para aumentar 5%, e que agora deve girar em torno dos 3%, segundo João Depizzol, presidente do Sindicato das Indústrias Gráficas do Espírito Santo (Siges).
Quando falamos em concorrência, independentemente se local ou do mercado externo, temos de considerá-la fundamental para que as empresas continuem investindo e buscando melhor produtividade, de acordo com Rogério Junqueira, diretor executivo da Printbill Embalagens. “Ou seja, é um fator motivador para que nossas indústrias não parem no tempo. Mas quando falamos em concorrência com indústrias que recebem do governo massivos subsídios ilegais perante a Organização Mundial do Comércio (OMC), assim como na China, estes subsídios estão distorcendo o comércio mundial e dando vantagens desleais ao país asiático, não só no Brasil, mas em outros países”, avisa Junqueira.
"Além de fabricar produtos como eletrodomésticos, a China fornece a embalagem final personalizada para cada produto, aumentando a concorrência interna no mercado brasileiro, pois as grandes empresas fornecedoras de embalagens passam a concorrer com as pequenas, ao realizar serviços menores", explica Depizzol.
Sonia, da Margraf, ressalta que nos nichos de embalagens e livros a indústria gráfica chinesa já vem prejudicando muito esses mercados, achatando ainda mais as margens praticadas. “O segmento gráfico, há muitos anos, vem sofrendo e diminuindo suas margens de lucro, principalmente depois da internet. Muitos clientes e anunciantes preferem a divulgação online. Fora isso, as indústrias gráficas se equipararam muito e há um excesso de ofertas onde a demanda também diminuiu. O que vemos para o futuro é a diminuição das estruturas, especialização em nichos de mercado, relacionamento estreito com o cliente, oferecendo uma assessoria mais ampla, solucionando os problemas e entregando o impresso como commodity, entregando a solução de um problema, e não um produto gráfico”, aposta Sonia.
Luizandes Barreto, diretor da Gráfica Barreto, de Recife (PE), acredita que a concorrência não é salutar a partir do momento em que a carga tributária do Brasil é simplesmente abusiva. “No andar da carruagem, muitas das micro e pequenas empresas, se não se atualizarem, tenderão a encerrar suas atividades, pela concorrência das médias e grandes empresas, que se capacitaram”, aponta o experiente profissional da indústria gráfica.
O diretor da Ipsis diz que se não houver intervenção neste caso, a indústria gráfica tende a acabar no Brasil. “E as consequências que todos sabemos são desemprego e sucateamento da indústria, entre outros. Mas sinto não haver interesse do governo brasileiro com esse tema especificamente”, avisa Ullmann.
Celio Coelho de Magalhães, gerente de marketing da Brasilgrafica, fala que no mercado de embalagens, calcado em grandes volumes, a concorrência chinesa ainda não se fez presente. Mesmo assim, não fica em cima do muro: “O governo brasileiro deveria impor restrições, uma vez que o Brasil tem capacidade ociosa e capacidade técnica para suprir a demanda interna por esses produtos. É um segmento que sofre com a concorrência interna, altas taxas impostas na aquisição de equipamentos e alta carga tributária.”
Junqueira, da Printbill, fala que o segmento de artes gráficas no Brasil é preparado tecnologicamente e o executivo não enxerga grandes diferenças técnicas entre as indústrias gráficas locais e suas concorrentes da Europa, América Central ou Ásia. “Por outro lado, vejo a indústria gráfica no Brasil fragmentada e fragilizada devido aos intensivos investimentos superiores ao crescimento da demanda. Há ainda muitas empresas com um nível de gestão muito baixo para participarem do mercado competitivo”, completa.
Mortara, agora como presidente da Abigraf, informa que a associação tem feito inúmeros pleitos ao governo federal nos diversos ministérios para que as condições sejam pelo menos isonômicas com relação aos produtos e gráficas chineses. “Somos um setor que, tradicionalmente, opera em concorrência perfeita quando atingido por concorrentes eletrônicos e, de algum tempo para cá, por concorrentes estrangeiros. Assim há a vulnerabilidade. Esta é a situação de nossa indústria gráfica” conclui.
David Friesen, da gráfica canadense Friesens, durante sua apresentação na Trendsof Print LatinAmerica 2008, organizada pela Afeigraf, tratou do tema China e o novo mundo da impressão. “Mostro aos gráficos latino-americanos como os chineses têm conquistado esse sucesso e como esses gráficos podem adaptar seus negócios para minimizar o impacto com a concorrência chinesa num futuro próximo. Mas não há dúvidas de que existem oportunidades interessantes para que gráficos brasileiros exportem para mercados da América do Norte e Europa, e eu sei que isso irá acontecer. Eu acredito que o Brasil deve observar o que China e Índia vêm fazendo, sobretudo por serem dois países familiarizados com a exportação de produtos”, disse.

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