Fonte:
Brasil Post - 06/08/2014
Durante a Flip, um dos temas mais debatidos no circuito
paralelo foi o incentivo à leitura. Para mim, qualquer discussão sobre o
assunto é, neste momento, infrutífero. Motivo: o governo "joga
contra" a popularização da leitura.
Dois projetos de lei sustentam esta opinião.
Projeto de lei 4.534/2012
Está em tramitação no Congresso o projeto de lei
4.534/2012, de autoria do senador Acir Gurgacz (PDT-RO), que busca conceder a
e-books e e-readers os benefícios já conquistados pelos livros físicos na lei
10.753/2003, a chamada Política Nacional do Livro.
Um dos obstáculos para a aprovação do projeto é a
discussão sobre incluir ou não e-readers (aparelhos eletrônicos próprios para a
leitura de e-books, como Kindle e Kobo) na lei.
A novela ganhou novos capítulos em junho. Na terça-feira
(10), o deputado Darcísio Perondi (PMDB-RS) solicitou, por meio de
requerimento, que o projeto seguisse à Comissão de Constituição e Justiça (CCJ)
mesmo sem o parecer final da Comissão de Cultura (CCult). Queria agilidade no
trâmite, o que levou a relatora do projeto na CCult, deputada Fátima Bezerra
(PT-RN), a apresentar suas observações.
No relatório, a deputada reafirma "a importância de
se conceder ao texto digital o mesmo tratamento assegurado ao texto
impresso", e considera a plataforma em que o conteúdo se apresenta "irrelevante";
contudo, a deputada petista acredita que o e-reader não deve ser incluído na
lei, pois "considerar que sejam livros os equipamentos com função
exclusiva ou primordial de leitura nos parece um equívoco por princípio — o
aparelho não é o conteúdo".
Em contrapartida, ela sugere a lei 11.196/2005 (Lei do
Bem) para desonerar os devices das contribuições PIS/Cofins. "Por uma
questão de isonomia e de neutralidade econômica, é premente que os e-readers
também passem a usufruir dos benefícios tributários da Lei do Bem. O incentivo
(...) é estratégico não somente como fomento à democratização da leitura e à
inclusão digital da população, mas também para a geração de empregos
qualificados em solo brasileiro", afirma.
A CCult ganhou o prazo de cinco sessões ordinárias, a
partir de 13 de junho, para discutir o relatório e, depois, encaminhá-lo à CCJ.
No mesmo dia, o prazo foi aumentado para dez sessões. Desde então, nada mais
foi dito sobre o assunto. E esta discussão não pode parar agora.
Projeto de lei 7.299/2014
Em março deste ano, o deputado federal Vicentinho
(PT-SP), líder do partido na Câmara, apresentou em plenário o projeto de lei
7299/2014, que visava proibir a aquisição de publicações gráficas — livros,
revistas etc. — de procedência estrangeira pelos órgãos públicos governamentais
das esferas federal, estaduais e municipais. De acordo com o texto do projeto,
o objetivo da lei seria "minimizar a constante evasão de divisas" por
meio de "restrições à importação de livros e demais publicações gráficas
comumente adquiridas".
Foram muitas as críticas nas redes sociais e até no
próprio site da Câmara, em que uma pesquisa popular mostrou que 98,6% dos
participantes discordaram da proposta.
O projeto foi criticado devido à incompreensão gerada
pela redação vaga do texto apresentado. Pelo conteúdo, seria possível apontar
um possível mecanismo de cerceamento, inclusive acadêmico. Ora, como as
universidades públicas seriam capazes de manter um ensino de qualidade se não
tivessem à mão obras de referência produzidas no exterior?
Diante das críticas, enfim, Vicentinho retirou o projeto
de lei no dia 5 de junho.
A real intenção do projeto parecia interessante: as obras
adquiridas pelas três esferas de governo deveriam ser confeccionadas no Brasil,
ou seja, vir de gráficas nacionais (exceto nos casos em que não houvesse
produção nacional equivalente, como obras de referência em outros idiomas). Não
significa que livros em outros idiomas estariam proibidos; significa que os
livros feitos por editoras brasileiras fossem produzidos internamente, caso as
editoras quisessem pleitear uma boquinha no governo, como o Programa Nacional
do Livro Didático.
Faz sentido. Muitos dos livros escritos no Brasil por
autores brasileiros e editados por casas nacionais são impressos em países
asiáticos. De acordo com dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e
Comércio Exterior, aproximadamente 71% do total de livros importados tem a Ásia
como procedência — China e Hong Kong respondem juntas por 60% de todas as
importações do segmento gráfico editorial. Em 2013, as importações brasileiras
de livros chegaram a 24,2 mil toneladas, 90,6% de aumento nos últimos sete
anos.
Por que isso acontece? A resposta é simples: a alíquota
de PIS/COFINS para livros importados é zero, enquanto as gráficas nacionais
recolhem 9,25% na impressão de livros. É mais barato fazer livro lá fora do que
aqui dentro.
Vicentinho enxergou um problema real. Seu erro foi
apontar como remédio um projeto estapafúrdio. Diante da percepção acerca do
cenário das gráficas nacionais, de quanto pagam de imposto, de como enfrentam a
concorrência desleal de países asiáticos com cargas tributárias nulas, Vicentinho
optou pelo protecionismo em vez de levantar uma bandeira que agradaria a todos
os brasileiros: a redução de impostos. Pois este seria o cenário ideal:
editoras nacionais produzindo livros aqui não por obrigação de uma lei, mas
porque é financeiramente viável.
Apenas quando tivermos o governo cortando impostos de
livros (físicos ou digitais), então poderemos prosseguir no debate sobre
incentivos à leitura. Até lá, qualquer discussão sobre o tema será natimorta.
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