* Ceregato é empresário, bacharel em Direito e Administração, é o presidente da Regional São Paulo da Associação Brasileira da Indústria Gráfica (Abigraf-SP) |
Os
apreciadores da boa leitura de ficção político-científica estão comemorando o
transcurso dos 60 anos da publicação do romance Fahrenheit 451, do escritor
norte-americano Ray Bradbury. A obra, sucesso de crítica e público em 1953,
também foi imortalizada no cinema em 1966, com a produção do longa-metragem
cult, sob o mesmo título, dirigido por François Truffaut.
O
enredo, como se sabe, desenrola-se num futuro hipotético, quando os livros e
todas as formas de escrita são proibidos por um regime totalitário, sob o
argumento de causarem infelicidade e reduzirem a produtividade das pessoas. Por
isso, são queimados por um bizarro Corpo de Bombeiros (daí, Fahrenheit 451, ou
233 graus centígrados, que é a temperatura da combustão do papel). Quanto aos
leitores clandestinos, pagam pelo “grave crime” por meio da condenação sumária
a um desconcertante programa de reeducação, mais conhecido, em termos reais,
por lavagem cerebral.
No
aniversário de 60 anos da publicação da instigante e assustadora obra, é
inevitável estabelecer analogia com a presente dificuldade que permeia a
produção de livros e numerosos outros itens da comunicação impressa no Brasil.
Não pela fúria das chamas, mas pela perda de competitividade da indústria gráfica,
a exemplo do que ocorre com tantos outros segmentos da manufatura, o País
assiste à incineração do mercado.
Fatores
conhecidos, como os altos impostos, juros elevados e outros algozes do custo
Brasil, somam-se à renitência do governo em conceder ao setor — que congrega
mais de 40 mil empresários e emprega mais de 220 mil trabalhadores —
desonerações da folha de pagamentos e de alguns incentivos tributários já
outorgados a outras atividades menos geradoras de mão de obra intensiva.
Resultado: num momento em que o mercado nacional é atacado ferozmente por
fornecedores estrangeiros que perderam espaços no cenário de crises das nações
ricas, ficamos absolutamente expostos a uma concorrência desigual.
Uma
das consequências dessa situação é a impressão na China de milhares de
exemplares de livros brasileiros, até mesmo os comprados por programas
governamentais para distribuição nas escolas públicas. O mesmo se observa com
embalagens de remédios e medicamentos, dentre outros produtos gráficos.
Importante lembrar que impressos e informação constituem-se em itens de
segurança estratégica para a soberania nacional.
Estamos
queimando um mercado em que sempre fomos competitivos e no qual, por força de
elevados e permanentes investimentos em máquinas e tecnologia, temos excelência
similar às melhores indústrias gráficas do Planeta. Felizmente, não vivemos sob
um Estado totalitário, como ocorre com a oprimida sociedade de Fahrenheit 451.
Por isso, com o debate de ideias e o diálogo, ainda é possível reverter o
quadro, mas é preciso que o Estado saiba ouvir.
Afinal, a execução pouco eficaz de políticas públicas pode ter efeitos
econômicos tão nocivos quanto a insensatez da truculência.
Prova
disso é que a competitividade dos impressores brasileiros está ardendo nas chamas
do descaso com um setor que, somente no Estado de São Paulo, emprega 90 mil
trabalhadores. É um jeito muito peculiar, numa estranha correlação, de
comemorar os 60 anos de Fahrenheit 451.
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