Primeira
da família a entrar para a universidade, Roseane Santos da Silva, 20 anos, faz
parte de um novo grupo na geração de leitores brasileiros: universitários de
famílias simples onde nem sempre existe o gosto pela leitura.
De família
religiosa, o único contato da estudante baiana com os livros na infância eram
materiais ligados à crença; não havia muito incentivo à leitura em casa, conta.
Os pais da baiana não concluíram o ensino médio e acreditavam que, terminado o
colégio, era mais importante para a filha entrar no mercado de trabalho do que
tentar uma vaga na faculdade.
Foram
os livros que abriram a cabeça de Roseana. `Quando você lê, cria consciência do
mundo, percebe outros caminhos e realidades.
Aprende que existem outras
culturas que devem ser respeitadas. Eu queria mudar a realidade em que vivia.
Foi a leitura que me proporcionou a visão de mudança”, afirma.
Quando
ingressou no ensino médio, a menina passou a frequentar a biblioteca da escola
pública onde estudava, a convite de uma colega. “Na verdade, o que chamávamos
de biblioteca, na época, era apenas um espaço com algumas obras. A biblioteca
mesmo estava em construção. Tivemos de convencer o diretor a nos emprestar os
livros. Assim, conheci outros tipo de leitura, e meu primeiro autor favorito, o
escritor russo Fiódor Dostoievski. Nunca mais parei de ler”, conta. Depois de
se preparar em um pré-vestibular comunitário - voltado a egressos de escola
pública -, foi aprovada em dois vestibulares. No ano passado, iniciou o curso
de psicologia na Universidade do Estado da Bahia (UNEB), e abriu mão da vaga
conquistada em história, na Universidade Federal da Bahia (UFBA).
Difícil
acesso aos livros ou falta de hábito em casa são obstáculos para desenvolver o
gosto pela leitura. E é o prazer pelos livros que deve ser perseguido por
programas de incentivo e políticas públicas que buscam aumentar o número de
leitores no País. Para Sandra Bozza, professora de Pós-graduação em Metodologia
de Ensino de Língua Portuguesa na Universidade Positivo, do Paraná, as pessoas
têm de ler todos os dias, qualquer tipo de texto. O exemplo da leitura em casa
faz a diferença na formação de um leitor, diz. Se a criança vê os pais lendo
com prazer, a tendência é imitá-los. Os pais também podem incentivar seus
filhos os levando à biblioteca para fazer ficha e retirar livros, ensina.
Se o
exemplo de casa não existe, a responsabilidade passa para o governo e para a
escola, onde o professor tem papel fundamental. “O professor deve compreender a
importância de ler, pois sendo um leitor melhor poderá formar também leitores
melhores”, opina Sandra.
Quando
chegam ao ensino médio, alguns alunos ainda não criaram o gosto pela leitura,
pois há escolas que tratam o ato de ler apenas de maneira utilitária, para
aplicação de provas, por exemplo. Segundo a coordenadora pedagógica da Fundação
Vitor Civita, Regina Scarpa, a falta da leitura na passagem do ensino médio ao
superior é uma barreira que pode dificultar a vida acadêmica do aluno. “É
recomendado que tanto no ensino fundamental quando no ensino médio, as escolas
deem um tratamento diferenciado às leituras feitas para avaliações e às
leituras apenas por lazer, reconhecendo que existem diversos tipos e objetivos
ao ler”, explica.
A
especialista ainda reforça que não se deve desistir do aluno que não gosta de
ler. A escola pode promover ações de leitura não só em aulas de português, mas
englobando todas as outras disciplinas, pois todas necessitam de interpretação,
estimulada pela leitura. Acima de tudo, é importante que a escola disponibilize
livros aos alunos na biblioteca.
Filhos
ensinam mãe a ler
Os
livros podem incentivar alunos a superar dificuldades e continuar estudando. Agnaldo
dos Santos Guimarães, 22 anos, o terceiro de seis irmãos de uma família
quilombola, saiu de Cavalcante, interior de Goiás, para continuar seus estudos
em São Paulo. A família é humilde, seu pai cursou até a 4ª série e a mãe não
estudou, mas a condição não os impediu que incentivassem Agnaldo a não
abandonar os estudos. Para eles, `o estudo qualificado é a única maneira de
melhorar na vida`. “Todos os meus irmãos agora estão estudando. Estamos até
ensinando minha mãe a ler e escrever, ela já consegue ler algumas coisas”,
conta.
Aluno
de escolas públicas da zona rural, Agnaldo conta que teve de parar de estudar
após o 4º ano do ensino fundamental por motivos financeiros e só pôde voltar à
escola três anos depois. Sempre gostou de ler, mas seu único acesso aos livros
era na biblioteca da escola. Para o universitário, as escolas têm um papel
importante como canal de acesso aos livros e devem fazer campanhas de incentivo
à leitura, tomando cuidado para as preferências dos alunos. “Tem alunos que
gostam mais de livros, outros de gibis. É importante que as escolas mostrem
autores novos também, despertando a curiosidade”.
Em
agosto de 2013, Agnaldo passou no vestibular da Faculdade de Engenharia São
Paulo (Fesp), para Engenharia Civil. “Sempre quis estudar engenharia. Para
estudar para o vestibular, tive de ler muito, mesmo meu foco sendo nas ciências
exatas. Portanto, a leitura teve grande importância nessa conquista, pois se eu
não conseguisse interpretar as questões, teria ido mal na prova”, conta.
Para
garantir um tempo para ler no meio da correria de de quem trabalha e estuda,
Agnaldo carrega um livro consigo o tempo todo. “Não existe outro caminho para
mudança e melhora da sociedade que não a educação. A leitura é a base para que
o aluno desenvolva ideias, para que consiga interpretar um texto, seja ele um
livro ou uma notícia. Assim ele se envolve mais na sociedade”, conclui.
Para
poeta, o jovem de hoje escreve como nunca
Em
fevereiro de 2001, morador da periferia paulista, o poeta Sérgio Vaz estava lendo
sobre a Semana da Arte Moderna e lembrou de uma fábrica abandonada em Taboão da
Serra. Pensou que poderia fazer ali um “canibalismo da cultura que vinha do
centro para as periferias”. Estava criada assim a Cooperativa Cultural da
Periferia, a Cooperifa. O maior objetivo é levar a cidadania às pessoas da
comunidade, por meio da arte e da leitura. “O jovem atualmente, através da
tecnologia, está lendo e escrevendo como nunca. Quem lê enxerga melhor, sabe
votar, sabe cobrar melhor seus direitos”, comenta.
Apesar
da vida simples, a relação de Sérgio com a leitura nasceu cedo, incentivada
pelo pai. “Na minha casa, nunca faltou nem alimentos, nem livros. Lendo,
descobri minha importância no mundo como cidadão. É instruído pelos livros que
tento mudar a realidade do meu bairro e município”, conta.
A
Cooperifa realiza várias ações de incentivo à leitura e à arte. Os saraus no
Bar do Zé Batidão, na periferia paulista, tem como objetivo incentivar a
escrita e a leitura de poesias entre a população. É um ambiente onde as pessoas
leem criações próprias umas paras as outras. O sarau também acontece nas
escolas. Há ainda outras atividades: no Cinema na Laje, são passados filmes não
para a comunidade, e no projeto Chuva de Livros, dezenas de livros são
distribuídos entre os participantes. “No sarau literário, um cara vê o outro
fazendo literatura e percebe que pode fazer também. Estamos com um novo
projeto, o Poesia contra a Violência, mostrando a importância da leitura
associada às ruas”, conta Vaz.
Há
também um benefício social quando a leitura passa a fazer parte do cotidiano
das periferias. O morador da comunidade começa a perceber que também pode ser
sujeito na criação da literatura e sua autoestima aumenta. “A cultura e a arte
conseguem te colocar no mundo. O morador começa a entender porque mora na
periferia. Antes, queríamos nos mudar da periferia. Agora, queremos mudar a
periferia”, diz.
Para
Vaz, o escritor também tem a responsabilidade de formar leitores, com campanhas
e eventos literários onde haja uma aproximação do leitor com o escritor,
desmitificando a literatura. “Dificilmente encontramos escritores em uma praça
ou em escolas públicas e particulares falando sobre sua obra. Eles também são
responsáveis pela elitização da literatura. É importante que o autor esteja
presente na vida desses leitores e na comunidade”, aponta.
Séries
ampliam a quantidade de leitura entre os jovens
Para
o doutor em educação e comunicador do Canal Futura, João “Alegria”, o Brasil
vive um movimento de crescimento do acesso aos livros e do aumento do hábito de
ler. No mercado consumidor, o jovem representa uma fatia grande. Em 2012, a
pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, realizada pelo Instituto Pró-Livro,
mostrou que 14% dos 5.012 entrevistados de 18 a 24 anos eram leitores, lendo
uma média de 3,74 livros nos três meses anteriores à pesquisa. Dos 40 aos 69
anos, esse número cai para 12%.
A
pesquisa também revelou que adolescentes entre 14 e 17 anos liam em média 5,9
livros por ano. Já nos adultos de 40 a 49 anos, a média caiu para 2,6 livros.
“O aumento dos leitores jovens não ocorreu de um dia para o outro. Desde o
início dos anos 90, houve o surgimento de uma geração de escritores de livros
infantis e adultos que hoje são consagrados na literatura e que trouxeram um
aumento da procura por livros no Brasil, como o personagem Harry Potter”,
explica. Existem também os grandes eventos de literatura, como a Bienal do
Livro, que neste ano ocorreu no Rio de Janeiro, no início de setembro. “Houve
uma quantidade enorme de jovens folheando livros, comprando e participando das
atividades no evento. Inclusive, o que mais vende para jovens são as séries, o
que mostra que os jovens estão aumentando a quantidade que leem”, comenta
Alegria, que foi curador do Acampamento na Bienal, onde os leitores puderam
encontrar seus escritores favoritos para bater um papo.
Estimulados
pelas escolas, os jovens leitores acabam levando o hábito da leitura para
outras esferas da sociedade, inclusive para dentro de suas casas. “No
acampamento, tinha um menino de uns 10 anos que puxava o pai para a conversa
com um dos autores. Eu mesmo já li livros apresentados por meus filhos. Os
novos leitores têm o poder de contagiar o restante da sociedade”, conclui.
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