segunda-feira, 6 de agosto de 2012

A aposta do papel no futuro

Armando Strozenberg* comenta a reforma gráfica feita pelo jornal O Globo, que teve redesenho feito pela prestigiada consultoria Cases i Associats 

O que me mais me entusiasma nesta reforma gráfica proposta pelo Globo aos seus leitores é a dose de significados que ela contém. Afinal, a última aconteceu há pouco tempo (17 anos atrás), tendo sido à época recebida sob aplausos gerais na medida em que apontava de forma pioneira para os diários impressos brasileiros o caminho da consolidação e aprofundamento da notícia, além de um design contemporâneo que resistia muito bem ao tempo.

Em princípio, na indústria da comunicação, mais que em outras, têm muito mais chances de dar certo experiências que sabem aliar recursos materiais, tecnologia, talento, timing à coragem. No caso do Globo, a coragem dos acionistas (quantas empresas no mundo investiriam hoje na modernização ampla de um produto jornalístico impresso?), a atitude dos jornalistas (não é sempre que admitimos poder fazer melhor, certo?), o nível dos especialistas contratados (sob o comando de um designer brasileiro atuando em Barcelona), além do envolvimento de praticamente todos os quadros técnicos de apoio (raro exemplo de projeto efetivamente holístico). Tudo e todos pactuados para mexer num produto líder absoluto na sua categoria e há alguns anos apresentando números robustos de crescimento.

Vejamos a seguir uma pequena amostra do que, à primeira leitura, chamou a atenção no redesenho do Globo (convidando os demais leitores que também façam o exercício de listar algo que os incomodava antes e não sabiam precisar o quê ou porquê):

1. Na cabeça do jornal, isto é, no que se convencionou chamar de logomarca, a levíssima mudança em algumas letras da tipologia exclusiva criada, eliminação de boa parte dos excessivos fios amarelos e uma melhor organização dos nomes que o fundaram e dirigiram, da cidade, data, número da edição, além da integração do endereço eletrônico, como que assumindo formalmente a sua aparentemente irreversível vocação de veículo de comunicação multiplataforma. Mas, para a maioria dos leitores, a essência da marca construída há 87 anos ficou ali, firme e forte, afastando o risco da ruptura dos fortíssimos laços racionais e emocionais do leitor com o “seu jornal”, como ele é tratado nas pesquisas do mercado publicitário.

2. O fato de terem se efetivado investimentos em praticamente todas as áreas da empresa. Não fosse, por exemplo, a aquisição e adaptação do sistema Newsgate um editor não teria como utilizar, instantaneamente e em qualquer plataforma, um texto pronto de repórter; só com as melhorias substanciais acrescidas ao parque gráfico é que se garantirá a produção do jornal 100% a cores; a importância dada ao trabalho de marketing, promoção e publicidade que precedeu o lançamento do novo produto para os anunciantes, agências e para o público em geral – com destaque para a campanha criada para os meios eletrônicos e o pioneiro debate entre os editores de quatro dos principais diários brasileiros no seu auditório para debater o futuro dos jornais – revela uma postura exemplar que credencia o jornal para uma resposta à altura do mercado publicitário.

3. A sutileza com que a maioria das mudanças foi feita não esconde a quantidade: a nova hierarquia da primeira página, separando o principal, as apostas da redação e as atrações das editorias e suplementos; a verticalização das páginas e as identidades das diferentes narrativas, a sensação de aprofundamento do noticiário; o novo equilíbrio proporcionado pelo uso dos claros proposto pela equipe do designer Chico Amaral, a leve e delicada mudança da tipologia exclusiva criada por Kris Sowersby; as identidades mais reforçadas de cada suplemento, de cada coluna assinada, de cada etiqueta nas páginas especializadas; as mudanças na própria forma de ler o jornal, como a alteração na ordem do primeiro caderno com as páginas de Opinião deslocadas para mais adiante para não interromper o fluxo de leitura das coberturas de O País e do Rio do primeiro caderno, as novas localizações das páginas reservadas aos Leitores e ao Tempo, a nova estrutura de edição da Revista O Globo, a ampliação da pauta do caderno Prosa & Verso, entre outros muitos exemplos.

4. Como espécie de síntese do redesenho proposto num momento de enormes desafios à produção de mídia impressa em todo o planeta, aponto a adoção dos quatro momentos dos títulos das principais matérias (antetítulo, manchete, linha fina e um olho). Menos pela dificuldade de redigi-los, muito mais por exigir que as matérias – inexoravelmente – venham com mais brilho, rigor, qualidade de apuração e clareza, dos seus repórteres e imponham um desafio maior à criatividade e inteligência dos seus editores.
Pois é disto que, a meu ver, trata a notícia do Globo de cara nova: forma a serviço do conteúdo. Nestes quase dois anos de investimentos e trabalho intenso forjou-se uma espécie de momentum para criar um clima de revolução, isto é, de redesenho permanente, cuja missão é produzir um jornalismo de alta qualidade, relevante, perturbador. Que reforce a imagem da marca O Globo atrelada à confiabilidade e relevância, de forma a não só calçar o desenvolvimento das atuais e das novas plataformas de informação, mas também, e, sobretudo, para confirmar o acerto da aposta na longevidade do seu papel de um jornal de papel.

*Armando Strozenberg é chairman da Euro RSCG e vice-presidente da Associação Brasileira das Agências de Publicidade (Abap). Ele vivenciou, como jornalista, parte da reforma do Jornal do Brasil por 14 anos e, como sócio da agência Contemporânea, do lançamento da reforma gráfica de O Globo em 1995. Strozenberg escreveu este artigo para Meio & Mensagem como colaboração.

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