Semear livros*
Monteiro Lobato, que no último dia 18 de abril completaria 130 anos, continua tão vivo na memória do povo brasileiro que acaba de ser confirmado como o escritor mais admirado do Brasil. Tal fenômeno, num lugar onde o índice de leitura ainda está aquém do satisfatório, deve-se à marcante presença de sua obra para sucessivas gerações. Foi ele quem inventou a literatura infantil e o próprio negócio do livro no Brasil, além de apregoar que precisávamos ler mais para termos um país melhor.
Além dessa admiração dos brasileiros de todas as idades por Lobato, a pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, do Instituto Pró-Livro, traz outras revelações. A boa notícia é que mostra a consolidação do fato de a média nacional de leitura ter dobrado na última década (de apenas 1,8 livro por habitante/ano em 2001 para os atuais quatro livros).
A má notícia vem justamente dessa consolidação – entre 2007 e 2011 os índices de leitura se mantiveram no mesmo patamar, e até caíram um pouco, quando o que se precisava era justamente o contrário: uma ascensão contínua. Ou seja, o Brasil continua a ler pouco, e ainda temos cem milhões de brasileiros que não leem um livro sequer.
Para cativar leitores e, sobretudo, os não leitores, é necessário um conjunto de ações, que se por um lado deve atuar no sentido de melhorar – e, em muitos casos, dar alguma habilidade leitora a uma parte substancial da população que está distante dos livros, de outro é imprescindível que se dê acesso àqueles leitores ávidos por tê-los à mão.
É aí que entra o papel da biblioteca pública! Mas como cumpri-lo se só um entre cada dez brasileiros vai com frequência a uma delas e nada menos do que metade da população jura que nada será capaz de fazer com que entre em uma delas? Dentre as queixas mais comuns ouvidas pelos entrevistadores do Ibope estão a falta de livros novos, ou em boas condições, e deficiências nos acervos.
Esses fatores, além da difícil acessibilidade, são responsáveis por afastar as pessoas das bibliotecas. Apesar de a maioria dos entrevistados saber da existência de bibliotecas em suas cidades ou bairros, mesmo assim três em cada quatro deles não as frequentam (!), um índice exageradamente alto. Por outro lado, sabe-se que não há país desenvolvido no mundo que tenha alcançado essa posição sem, antes, ter solucionado a questão do acesso à educação de qualidade, à cultura e, particularmente, à leitura.
O tema biblioteca está no topo dos investimentos em políticas públicas do livro e leitura que o Ministério da Cultura e a Fundação Biblioteca Nacional anunciaram em abril. Mas não basta construir e implantar mais bibliotecas ou recompor os desatualizados acervos desses equipamentos culturais (embora 20% dos leitores digam que o simples fato de haver livros novos os estimularia a ir até uma biblioteca). Por isso, além de criar, de forma inédita, um programa que já começa ampliando e atualizando o acervo de 2.700 bibliotecas municipais e comunitárias, com obras escolhidas por elas próprias, serão anunciados novos programas para investir na formação dos bibliotecários.
E, ao mesmo tempo, milhares de jovens e professores e bibliotecários aposentados serão contratados este ano para atuar nas comunidades, inclusive rurais, como agentes de leitura, que vão de casa em casa levar os livros e, com eles, um novo horizonte em suas vidas.
Quem sabe, assim, nos anos vindouros só boas notícias possam ser dadas ao se anunciar os novos Retratos da Leitura no Brasil. Afinal, somente a leitura formará cidadãos com consciência crítica, e só a leitura, a literatura e o livro, uma nova legião de Lobatos, agora e no futuro.
*Artigo da ministra Ana de Hollanda e do presidente da FBN Galeno Amorim
Publicado no Jornal O Globo em 29/04
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