Por Vicente Amato Sobrinho*
As pessoas com mais de 50 anos devem lembrar-se de que, nas décadas de 50/60, todo estudante, ao terminar o curso ginasial, era presenteado com caneta Parker 21. Quem concluía o científico, ou o clássico, ou o normal, recebia a modelo 51. No final dos cursos, a maioria era premiada com a Parker 61, o máximo na linha das canetas-tinteiro, o suprassumo que alguém pudesse almejar.
Essas canetas eram consideradas verdadeiras joias pelo alto custo e pelo valor sentimental que representavam. Lembro-me de que, certa vez, uma Parker sumiu em minha escola e a diretora ordenou que todos fossem revistados. A indignação e a revolta dos alunos foram violentas. No final da revista, não foi encontrada a joia. Só no dia seguinte, o denunciante do suposto furto teve coragem e honestidade bastantes para informar que esquecera a caneta em casa e desculpar-se do imbróglio. Apesar de correto e honesto, o desmemoriado sofreu, por algum tempo, muitas restrições dos colegas inconformados com a humilhação sofrida.
Algum tempo depois, ocorreu o lançamento da caneta esferográfica, de custo insignificante, prática, de funcionamento perfeito que, sem dúvida, condenou a Parker ao esquecimento em quase todas as áreas da atividade humana. No princípio, a esferográfica teve dificuldade de aceitação porque interesses comerciais criaram obstáculos de toda natureza, tais como, exemplificativamente: o uso dela favoreceria fraudes no preenchimento de cheques e na redação de documentos manuscritos; o texto com ela redigido seria facilmente apagado e substituído por outro do interesse do falsificador. Era uma série imensa de inverdades bem elaboradas para amedrontar incautos.
O correr do tempo encarregou-se de comprovar que, na verdade, a caneta- tinteiro estava superada e, de certa forma, obsoleta, cabendo, aos seus fabricantes, conformar-se com a imperiosa alternativa de produzir esferográficas, o que ocorreu como mostram os dias de hoje.
Isso leva-nos a meditar sobre outras mudanças e transformações muito mais significativas e decisivas, que devemos aceitar, queiramos ou não, impostas pela globalização e que podem atingir-nos. Elas alcançam, rápida e amplamente, todos os quadrantes e influem decisivamente até na mudança de costumes seculares de sociedades infensas a novidades. Há muito, já se comenta que o papel de imprimir e escrever será a caneta-tinteiro dos próximos anos, pois com a internet e os livros eletrônicos as novas gerações não vão querer ler jornal ou livro impressos.
Muitos discordam dessa previsão, até com um toque de ironia, porém o mais sensato é que todos envolvidos na distribuição de papel tenham os pés no chão e admitam essa possibilidade para, desde já, buscar alternativas para o futuro.
Sintomas não faltam para justificar a preocupação, que não é utópica. O dia a dia convive com exemplos marcantes: os jornais do mundo todo reduzem as tiragens ano a ano; as revistas são lidas cada vez mais nos meios eletrônicos. Quanto às listas telefônicas, em franca agonia, quem se dá ao trabalho de consultá-las se, no "site" da operadora, com alguns toques no teclado, o consulente tem a informação?
Se admitirmos que os leitores de jornais, livros e revistas impressos, dificilmente abandonarão seu tradicional hábito, também devemos aceitar que as novas gerações não vão dar continuidade a essa prática que será, em futuro próximo, considerada arcaica e inaceitável.
Muitos alegam que a informática demorará para atingir a maioria da população brasileira. Mas, em contrapartida, deve-se considerar que os preços dos computadores, que dão acesso à internet, estão despencando e a presidenta Dilma tem como uma das metas a inclusão digital. As escolas particulares e algumas públicas já utilizam meios eletrônicos, que aumentam vertiginosamente ano a ano.
Talvez tudo isso que escrevo não passe de exercício de futurologia, mas as evidências devem levar-nos a pensar no assunto, com realismo, para que em breve as distribuidoras de papel não sejam atropeladas por uma esferográfica qualquer.
*Presidente do SINAPEL - Sindicato Nacional do Comércio Atacadista de Papel e Papelão
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